1. O amor é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. [...] Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem. Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida verdadeira que Deus preparou para nós. Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projecto.
Quando será que eu aprendo (ou volto a reaprender, talvez?) a amar assim? A olhar para os outros à minha volta com a consciência de que a verdade profunda sobre eles é que foram criados por amor. Para o amor. Para serem uma benção e uma fonte de felicidade e de alegria, de ajuda e de amizade uns para os outros.
3. Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade. Esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé, através das quais a inteligência chega à verdade natural e sobrenatural da caridade: identifica o seu significado de doação, acolhimento e comunhão. Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente. A verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do emotivismo, que a despoja de conteúdos relacionais e sociais, e do fideísmo, que a priva de amplitude humana e universal.
5. O desenvolvimento, o bem-estar social, uma solução adequada dos graves problemas sócio-económicos que afligem a humanidade precisam desta verdade. Mais ainda, necessitam que tal verdade seja amada e testemunhada. Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os actuais.
7. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. [...] Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidade reais. Todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis.
9. O risco do nosso tempo é que, à real interdependência dos homens e dos povos, não corresponda a interacção ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, é possível alcançar objectivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades. [...] Sem verdade, cai-se numa visão empirista e céptica da vida, incapaz de se elevar acima da acção porque não está interessada em identificar os valores — às vezes nem sequer os significados — pelos quais julgá-la e orientá-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. [...] Para a Igreja, esta missão ao serviço da verdade é irrenunciável.
11. Muitas vezes, ao longo da história, pensou-se que era suficiente a criação de instituições para garantir à humanidade a satisfação do direito ao desenvolvimento. Infelizmente foi depositada excessiva confiança em tais instituições, como se estas pudessem conseguir automaticamente o objectivo desejado. Na realidade, as instituições sozinhas não bastam, porque o desenvolvimento humano integral é primariamente vocação e, por conseguinte, exige uma livre e solidária assunção de responsabilidade por parte de todos. Além disso, tal desenvolvimento requer uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus: sem Ele, o desenvolvimento ou é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento desumanizado.
14. Contra a ideologia tecnocrática, hoje particularmente radicada, já Paulo VI tinha alertado, ciente do grande perigo que era confiar todo o processo do desenvolvimento unicamente à técnica, porque assim ficaria sem orientação. A técnica, em si mesma, é ambivalente. Se, por um lado, há hoje quem seja propenso a confiar-lhe inteiramente tal processo de desenvolvimento, por outro, assiste-se à investida de ideologias que negam in toto a própria utilidade do desenvolvimento, considerado radicalmente anti-humano e portador somente de degradação. Mas, deste modo, acaba-se por condenar não apenas a maneira errada e injusta como por vezes os homens orientam o progresso, mas também as descobertas científicas que entretanto, se bem usadas, constituem uma oportunidade de crescimento para todos. A ideia de um mundo sem desenvolvimento exprime falta de confiança no homem e em Deus. Por conseguinte, é um grave erro desprezar as capacidades humanas de controlar os extravios do desenvolvimento ou mesmo ignorar que o homem está constitutivamente inclinado para « ser mais ». Absolutizar ideologicamente o progresso técnico ou então afagar a utopia duma humanidade reconduzida ao estado originário da natureza são dois modos opostos de separar o progresso da sua apreciação moral e, consequentemente, da nossa responsabilidade.
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